quinta-feira, 1 de setembro de 2016

Nathalie e Diana*- REPUBLICADO

                                                              Pintura de Michael  G.

 http://letras.mus.br/julio-iglesias/1171960/

Republicado


Nathalie recebera esse nome, por sua mãe ser fã de Julio Iglesias e dessa canção em particular.
Teve uma infância boa na Espanha, mas a família mudou para o Brasil, quando entrava na adolescência.
Ela perguntou à mãe:
_ Por que o Brasil e não outro país latino, onde se fala nossa língua?
_ Porque lá temos família. O idioma se aprende rápido e fácil.
_ Ouvi dizer que o português é uma língua complicada, tem palavras em demasiado...
_ Aprende-se!  Ademais, seu pai já vai para se empregar por lá, com a  recomendação de seu tio.
_ O que há de se fazer? Vou começar a separar minhas coisas.
_ Sim, faça isso; partiremos em uma semana.

Nathalie  virou-se e foi na direção de seu quarto. Parou ao entrar, para olhar cada detalhe de onde passara todos os momentos de sua vida até então.

Mudaram-se finalmente: Novo continente, novas esperanças...
 Tudo dera errado entretanto...

***********************


Enquanto trabalhava no bar, Nathalie pensava:
O quanto uma decisão precipitada pode levar uma pessoa?
Estava trabalhando ali  para ganhar seu sustento, desde que sua mãe ficara viúva e recebia uma pensão diminuta, que mal pagava as contas básicas...
O pai morrera de doença grave, seis  anos atrás, logo que mudaram para o Brasil.
A mãe resolvera ficar. Não voltaria para sua pátria derrotada.
Nathalie terminou os estudos do secundário, mas a faculdade ficou para trás.
Precisava ajudar  a mãe a se manter no novo país que estavam.
Trabalhava de noite em um Piano's Bar, e fazia um curso técnico de enfermagem durante o dia, para ter uma profissão séria.

Nathalie lembrava da Espanha como se tivesse saído de seu país naquela semana... Eram essas lembranças que  a motivavam seguir em frente. Assim que terminasse seu curso, trabalharia duro fazendo plantões em clínicas particulares, porque essas pagavam relativamente melhor que o serviço público, até que depois de juntar um bom dinheiro na caderneta de poupança, viajaria para visitar sua Espanha querida e quem sabe, conseguir um emprego por lá de enfermeira?
Sabia que não seria fácil: Afinal, a Espanha estava em crise como toda a Europa, e seu diploma de enfermagem não valeria por lá, mas ela tentaria fazer um exame que validasse o seu.

Planos! Mas nada disso se dera. A mãe desenvolveu a síndrome do pânico depois de passar por dois assaltos no Rio. Outra vez ficou em meio a um tiroteio entre a polícia e marginais na rua onde passava.
Por último, fora outro tiroteio, em uma passarela da Avenida Brasil.
Mudaram-se de município para outro relativamente mais calmo e ficou tudo mais difícil para Nathalie, que agora estava mais distante do curso e do trabalho. Levava mais tempo para ir e voltar para casa.
A mãe  sentia-se solitária...
Nathalie tinha um olhar triste, como dizia aquela música tão bem interpretada pelo seu compatriota...

Resolveu esquecer de vez seus sonhos de voltar à terra natal. A Espanha ficara para trás, além do oceano e seria apenas cultivada em suas memórias dos tempos de meninice.

Nathalie lia uma poesia, enquanto não chegava os primeiros fregueses do bar:

Lágrimas De Outrora

Morremos aos poucos desde o dia que nascemos
O maior desgosto de viver, é a certeza disso acontecer.

Um nó na garganta inseparável do ser humano
Palavra muda.
Há dor, mesmo que se tenha em volta, algum amor.

Não é minha culpa, os desatinos de outros,
Mas, pago por eles...

O nó a que me referi, são lágrimas sentidas
Vindas de uma tristeza, de nada ser mudado em minha vida....

Escrevo então.
Essa é minha única auto ajuda.
Bastava apenas ter um ouvinte aos meus queixumes!
Mas o analista se paga.
O amigo, escuta de coração.
Pena, não ter um ombro que possa chorar minhas mágoas!
Os gritos se calam.
Permanecem mudos na garganta.

O nó só se desata, quando coloco as palavras no papel.
Dizem que faço drama.
Que culpa tenho eu?
A vida escreve nossa novela particular...
Apenas escrevo,
Não posso me revoltar.

Fátima Abreu


**************


Nathalie aproximou-se de Diana.
Notara que a mulher que havia lhe pedido um martini, parecia estar aérea, perdida mesmo...
Pode reparar também que Diana estava muito bem vestida, sinal que tinha uma vida sem problemas financeiros; bem diferente de Nathalie...

_ Olá! Sou Nathalie, a moça que lhe serviu o martini no bar, ainda agora, lembra-se?
_ Ah, olá. Desculpe-me, é que estou um pouco 'avoada' essa noite, zonza... Não sei na verdade, nem por onde andei... Quando vi, já estava entrando aqui no Piano's Bar.
Adoro jazz e blues,  e fui atraída para este lugar. Meu nome é Diana, como a deusa do Olimpo, sabe...
_ Quer alguma ajuda Diana? Que lhe chame um táxi, talvez...
Pois acho que não está bem; seria melhor voltar para casa, não?
_ Sim, sim... Acabando meu  drink, e depois dessa música que está tocando, voltarei para casa.
 _ É melhor. Chamarei um táxi assim que queira, ok? Não sei porquê, mas gostei de seu jeito, parece que já a conhecia antes. Mas sei que é improvável: Afinal, mal tenho amigas, a não ser, as moças do meu curso de enfermagem...

_ Escute, Nathalie: Gostaria de fazer amizades, pelo que vejo. Quer juntar-se ao meu grupo social? Chamamos de "Círculo". Reunimo-nos na casa de minha amiga, Cecília.
_ E como é esse grupo, o que fazem?
_ Bem, temos como via de regra, a amizade acima de tudo. União mútua, em todos os sentidos. Um ajuda o outro, seja no que for. Além de...
_ Além de?
_ Sexo. Fazemos isso também, com quem quisermos do grupo: Tempos novos... relacionamentos abertos, sem culpa. Amamos uns aos outros, sem ciúmes. Mas, se isso é obstáculo para você, esqueça minha proposta...
_ Bem, Diana, na verdade sou virgem ainda, acredita? Em pleno século XXI, uma mulher de  vinte anos, que nunca teve intimidade com ninguém, apenas uns namoricos que não deram em nada, além de uns beijos mais quentes e uns 'amassos'... E há gente, que pensa que mulheres como eu, que trabalham em bar, estão à disposição de qualquer um que aparecer... Pode até acontecer com a maioria, mas, comigo não.
_ Nossa! Realmente nunca conheci uma moça dessa idade, ainda virgem. Então, não está mais  aqui quem falou. Esqueça tudo.
_ Deixe seu número de telefone comigo, Diana. Se um dia eu mudar de ideia, te ligo, ok?

Diana sorriu levemente e escreveu no guardanapo de papel o número de seu celular. Era mais interessante dessa maneira: Porque se Nathalie, simplesmente colocasse o número ditado em seu telefone, seria apenas mais um, na lista de contatos... Entretanto, faz parte da sedução, um número anotado displicentemente em um guardanapo, isso ela aprendera com  Lana, não com Cecília...

Diana retirou o colar de pérolas que emoldurava seu pescoço, e deu-o para Nathalie, como  se fosse um presente de amigas, de muitos anos... De início, ela não quis aceitar o presente, achando precipitado tudo aquilo...
Mas, Diana a convenceu, dizendo:
_ Fica lindo em você, Nathalie. Serve para loiras, tanto quanto, para morenas.   Não se preocupe, tenho outros em casa.

Passada  meia hora de conversa, Nathalie então chamou o táxi, a pedido de Diana.
Nathalie virou-se já na porta, retornando ao bar, para olhar o táxi levando aquela  morena tão bonita, mas, visivelmente problemática...

Não tardou muito e Diana recebia a ligação:
Foi no dia em que Nathalie completava 21 anos...


Fátima Abreu

*Ambas personagens estão no meu livro:
 A TRILOGIA DO "CÍRCULO"
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